Desrespeito à Constituição - OAB publica Carta do
Sistema Carcerário
"O sistema carcerário brasileiro
não respeita a Constituição Federal." É assim que começa o documento
elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil durante a XXII Conferência
Nacional dos Advogados, entre os dias 20 e 23 de outubro de 2014.
No texto, a coordenação de
acompanhamento do sistema carcerário da OAB faz um diagnóstico das
penitenciárias brasileiras, fruto de pesquisas e inspeções feitas pela Ordem
com outras instituições.
"As violações aos presos, na
maioria das vezes, iniciam-se no momento da prisão, com a exibição de suas
imagens como 'prêmios' oferecidos à sociedade através da imprensa por autoridades
despreparadas e descomprometidas com os valores democráticos, e com
ela permanecem, transformando a Lei de Execução Penal em mera 'carta de
intenções'", diz um trecho da Carta do Sistema Carcerário.
O documento diz que em vez de focar
em alterações legislativas inócuas, o sistema carcerário precisa ser mais bem
estruturado. A carta incentiva os advogados a se manterem atentos a iniciativas
"travestidas do rótulo de solução", como a redução da maioridade
penal, que só servem para ampliar as violações e potencializar o caos
já existente.
Adilson Geraldo Rocha, presidente da
comissão, avalia que a conferência foi o momento propício de debater o
tema com a advocacia. “Em todos os estados, existem unidades que são exemplos,
mas não totalizam sequer 5%. Assim, mais de 90% dos presídios permanecem em
condições pífias, amontoando pessoas em locais insalubres. A carta foi um
alerta”, completa o presidente da Comissão.
Leia o
documento:
Sistema carcerário brasileiro:
evidente afronta à constituição democrática e aos direitos fundamentais.
O
Sistema Carcerário brasileiro não respeita a Constituição Federal e, portanto,
os que com ele têm contato – servidores, familiares e, especialmente, os presos
– padecem da falta de efetividade dos Direitos Fundamentais.
Ainda
em vertiginosa expansão, já somos a quarta maior população carcerária do mundo,
com 563.526 presos, atrás somente de Estados Unidos, China e Rússia.
Não
faltam notícias de presos mortos ou violentados nos cárceres, sob a
responsabilidade do Estado.
As
condições das unidades prisionais e os maus tratos sofridos pelos presos
caracterizam evidente afronta à Constituição Federal, que veda expressamente a
tortura, os tratamentos desumanos e degradantes e as penas cruéis.
Em
ambiente democrático, como pretende ser o nosso, os presos devem ter
assegurados seus direitos individuais e fundamentais, dentre os quais o direito
de permanecer calado, de ter assistência da família e de advogado no momento da
prisão; o respeito à inviolabilidade do domicilio e da imagem; a locação em
ambiente adequado quando preso em flagrante ou em cumprimento de pena privativa
de liberdade e, especialmente, o respeito à dignidade da pessoa humana,
princípio fundante da nossa República.
As
violações aos presos, na maioria das vezes, iniciam-se no momento da prisão,
com a exibição de suas imagens como "prêmios" oferecidos à sociedade
através da imprensa por autoridades despreparadas e descomprometidas com os
valores democráticos, e com ela permanecem, transformando a Lei de Execução
Penal em mera "carta de intenções".
Levantamento
recente do Conselho Nacional de Justiça apontou que 41% dos presos no Brasil
são provisórios, um evidente desrespeito à máxima de que, aos envolvidos em
investigação policial ou judicial, a liberdade é a regra.
Importa
destacar ainda que, além de não se utilizar de medidas cautelares menos
invasivas, grande parte dos juízes sequer fundamenta os decretos de prisão,
geralmente calcados na aviltante subjetividade da "garantia da ordem
pública".
Não
obstante tudo isso, diante de tamanho desrespeito, é imperioso que nos
mantenhamos atentos a iniciativas que, travestidas do rótulo de
"solução" (como a redução da maioridade penal e algumas das
disposições do projeto de novo código penal, ambos tramitando no Senado da República),
servem apenas para ampliar as violações e potencializar o caos já vivenciado no
sistema carcerário.
Ao
invés de focar em alterações legislativas inócuas e de obstaculizar a
utilização de importantes instrumentos desencarceradores, tal como o Habeas
Corpus, é preciso estruturar melhor e ampliar as vias de acesso ao Poder
Judiciário.
Diante
desse caos, pelo qual somos todos responsáveis, urge seguirmos a lição de Rui
Barbosa: “perante o direito dos povos civilizados, perante as normas
fundamentais do nosso regime, ninguém, por mais bárbaros que sejam os seus
atos, decai do abrigo da legalidade”.
Carta
da Coordenação Nacional de Acompanhamento do Sistema Carcerário do CFOAB. XXII
Conferência Nacional dos Advogados, Rio de Janeiro, 2014.