Apac em Florianópolis
A primeira Apac foi criada há 45 anos em
São José dos Campos (SP), pelo advogado e jornalista Mario Otoboni e um grupo
de voluntários cristãos. Desde então, as unidades se espalharam por sete
Estados brasileiros. Em março, uma nova associação abre em Florianópolis, a
centésima do mundo, e sua idealizadora e futura presidente, Leila Pivatto, 67
anos, mostra seu entusiasmo: “Quando condenados, e vale lembrar que 40% dos 600
mil encarcerados no Brasil não são, os presos deveriam perder o direito de ir e
vir. Apenas. Mas eles perdem tudo. O contato com as famílias, os direitos à
saúde, educação, trabalho e assistência jurídica. Nós entendemos que para matar
o criminoso e salvar o homem é preciso cidadania".
Leila, voluntária há dez anos da Pastoral
Carcerária que trabalha 12 horas por dia sem ganhar nenhum centavo, e seus
colegas pelo país não são os únicos a apostar no modelo. A proposta ganhou a
atenção da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia: “As Apacs são
a minha aposta. Elas têm dado certo. Basta dizer que a reincidência é de 5%,
enquanto nos presídios comuns é de até 75%”, disse a ministra em entrevista ao
Programa Roda Viva, da TV Cultura, em outubro do ano passado.
Oposta às cadeias comuns no cerne, talvez a
diferença maior das Apacs seja sua concepção de defesa da justiça restaurativa,
não da punitiva. Elas não podem ser criadas pelos governos, só pela organização
e boa vontade da sociedade civil, esse é um dos principais obstáculos para
expansão do modelo em larga escala.
"Não há solução imediata para as
prisões. Todo processo será lento e exigirá consciência da população. Eu
acredito que as Apacs sozinhas não irão resolver. É preciso estimular o
desencarceramento. Há gente presa por bobagens. A minoria da massa prisional é
perigosa, os outros poderia cumprir penas alternativas. E, obviamente, é
preciso gerar oportunidade. Antes construirmos escolas do que prisões",
disse Leila.
No caso da unidade de Florianópolis foram
seis anos da primeira assembleia até a construção do prédio. O primeiro passo
foi a audiência pública na comarca, em seguida a criação jurídica, que não visa
nenhum lucro, e visitas à Apac de Itaúna, em Minas Gerais, que existe há 17
anos e é celebrada pela sua excelência - lá fugas são raras: a última demorou
dez anos para acontecer.
A primeira Apac de Santa Catarina ficará no
Complexo da Agronômica, em Florianópolis, onde cinco unidades já detêm quase
1,6 mil pessoas. A Apac será a sexta. A única semelhança com os vizinhos de
muro é o terreno. A casa ampla e solar não foi criada para punir. Ao invés de
agentes do Deap (Departamento de Administração Prisional), a organização será
responsabilidade dos voluntários, não só da Igreja Católica, mas de diversas
áreas. São advogados, médicos, dentistas, psicólogos, professores de música e
yoga, confeiteiros, gente que acredita que para resolver a violência das ruas é
preciso mudar a realidade do cárcere.
"Aqui os presos usarão suas roupas,
serão chamados pelos seus nomes ou como recuperandos. E no lugar da solitária
poderão resgatar seu equilíbrio na capela, se quiserem”, diz Leila, enquanto
trabalha na finalização do edifício.
A rotina será rígida. São os presos que
serão os responsáveis pela segurança e pela limpeza. Às seis da manhã eles
levantam, arrumam suas camas (sim, eles têm camas), fazem as orações, tomam
café e iniciam as tarefas do dia, que só termina às 22h. É requisito básico que
todos trabalhem e estudem. Ao longo desse período também participam de
palestras de valorização humana, oficinas, atos religiosos, lazer e descanso.
"As pessoas sempre nos perguntam se é
o voluntariado que reduz o preço das Apacs. Digo que sim. Também não há gastos
com agentes penitenciários e terceirizações de serviços. Utilizamos a mão de
obra dos recuperandos. Mas não podemos esquecer uma questão central. Não há
corrupção. O valor pago pelos presos comuns no Brasil é muito questionável. Se
eles não recebem assistência jurídica, médica, alimentação adequada para onde
vai tanto dinheiro?", questiona Valdecir Antônio Ferreira, presidente da
FEBAC (Federação das Apacs do Brasil).
Trechos
de reportagem publicada no site do jornal espanhol El País, de autoria de Aline
Torres.
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a matéria completa:
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/23/politica/1485198858_731977.html