Prende primeiro, pergunta depois
Mais de 40% dos encarcerados brasileiros são presos
provisórios que têm as vidas destruídas mesmo quando inocentes, antes de
qualquer processo legal
Francisco* estava no sofá
assistindo televisão e aproveitando seu primeiro dia de férias, quando a
polícia quebrou o portão e invadiu sua casa gritando, com armas em punho.
Apesar de não saber do que se tratava, o coletor de lixo não reagiu nem para
dizer que era trabalhador de carteira assinada. Por experiência anterior (ele
já havia passado seis meses em um Centro de Detenção Provisória e depois
inocentado) sabia que seria pior tentar argumentar naquele momento. A filha de
15 anos estava no banho, a esposa e a filha mais nova, de 5 anos, não estavam
na casa, localizada no litoral sul de São Paulo. Foi levado algemado para a
delegacia do DHPP, na capital. Só então ficou sabendo que a vítima de um
sequestro, um homem que pagara 400 mil reais de resgate, havia supostamente
reconhecido sua tatuagem em um álbum de pessoas com passagem pelo sistema
carcerário, apresentado pela polícia. A vítima teria dito que o sequestrador
tinha uma tatuagem no braço, e escolhido Francisco no álbum com fotos de
ex-detentos que batiam com a descrição de tipo físico e da tatuagem mostrado
pela polícia. Mesmo com provas e testemunhas de que estava trabalhando nos dias
em que a vítima afirmou ter ficado 24 horas sob olhares do algoz, em outra
cidade, Francisco ficou preso por dois meses no Centro de Detenção Provisória
de Pinheiros, em São Paulo, em uma cela “pequenininha assim”, com mais de
cinquenta pessoas, “às vezes mais, às vezes menos”, esperando que o delegado
chamasse a vítima para um novo reconhecimento.
“O delegado dizia que não
estava encontrando o homem” conta a esposa de Francisco, que acabou ela mesma
descobrindo o endereço e passando ao delegado. “Só aí que ele ficou sem graça e
chamou pra reconhecer” lembra a mulher. Durante os dois meses em que esteve no
CDP, Francisco não viu as filhas, porque não queria que as meninas passassem
pela humilhação da revista vexatória. O que mais o marcou foram as revistas com
cães dentro das celas, quando eram obrigados a se despir e se encolher “com os cães
fungando no cangote”.
Quando saiu, perdeu o
emprego. “Me disseram que foi porque a empresa foi vendida e tiveram que
demitir algumas pessoas” explica. Diz que a filha pequena chora quando vê
passar um carro de polícia na rua – tem medo que levem o pai mais uma vez. Sua
esposa tem trabalhado dobrado pra sustentar a casa enquanto ele procura outro
serviço. Mas com seu nome ainda não liberado do processo, “tá bem difícil”.
O caso de Francisco dá
feição humana aos números escandalosos do encarceramento provisório no Brasil,
denunciados por vários órgãos de defesa de direitos humanos e, mais
recentemente, pelo Relatório Mundial 2015, da Human Rights Watch, publicado em
janeiro, que analisa anualmente avanços e retrocessos na proteção dos direitos
humanos em mais de 90 países. Sobre o Brasil destaca esse gargalo do sistema
penitenciário entre denúncias de tortura, tratamento cruel, desumano ou
degradante e falta de infraestrutura dos presídios. Em setembro de 2014, o
Grupo de Trabalho da ONU sobre Prisão Arbitrária também apresentou um relatório
apontando a superlotação endêmica, o acesso à justiça severamente deficiente e
o encarceramento como regra e não exceção mesmo em casos de delitos leves e sem
violência.
Leia matéria completa em:
(Fonte: Agência Pública)
Nenhum comentário:
Postar um comentário